sábado, 29 de janeiro de 2011

Você já teve medo de enlouquecer?

Um dia escaldante. Uma tarde de luz. Tudo brilha e se opaca à luz do sol refletida em metais e corpos banhados a suor. O objeto está em uma estação de trem. Metade do dia correu, a outra metade precisa ser corrida em direção ao final da linha e dali tomar forma da outra metade. O trem chega e o objeto entra. Eis que a viagem começa. Essência de eucalipto viria a calhar naquela caixa quente de metal. O calor queimou o ar e só restava aos outros fumá-lo enquanto não se chega. Outras opções são oferecidas e usadas com frequência. Por exemplo: Do lado de onde o objeto se senta, um senhor pôs-se a cantar hinos ecumênicos. À sua frente umas senhoras fazem tricô resistindo à vontade de secar o suor com o novelo de linha. Água, Coca-Cola, cerveja e picolés devem servir como paliativo no inferno, porque ali funcionavam bem e todos pareciam tranquilos. A vida deve ser vivida, apesar de tudo. A pressão de completar o outro hemisfério do dia bem, já que tudo tinha dado errado até então. 40 horas sem dormir. Excesso de cafeína. Má alimentação. E algumas preocupações em quem se habituou a não se preocupar com nada. Instalou-se o caos. Não dentro do forno-vagão ou vagão-forno, esse segue resignado apesar de tudo depondo contra ele. Instalou-se o caos foi dentro do objeto.

Alguma vez já experimentara o sentimento de estar vivendo um filme ou vivendo sua vida de fora dela? Chamam isso formalmente de despersonalização. O fato é que o restante do dia não pressionava sobre o corpo abatido do objeto, mas podia. E a possibilidade grande é verdade absoluta em horas de paranoia. Paranoia muda tudo, faz as mãos suarem frias, faz o coração bater rápido, faz o objeto desconfiar de tudo e de todos e até inofensiva mosca pode ser um perigo em potencial. O peso do mundo nas costas e uma ansiedade inexplicável. Os rostos das pessoas continuam tranquilos, não há motivo para pânico. Relaxa. O senhor continua a cantar seus hinos ecumênicos, isso alivia e irrita o objeto. “Canta porque sente demônios em mim e quer se proteger e me ajudar, não ando com boas energias. Mas o que é que estou falando? Não sou desses dessas coisas”. E o mal estar agora é paranoia própria do episódio ou cansaço físico? “Posso desmaiar aqui, posso morrer.” Bem, de uma forma ou de outra esse dia chegaria e a dor da alma fica tão aguda uma hora dessas que assim melhor seria. Esse é um pensamento que ajuda o objeto a se acalmar. Mas o subconsciente tem seus truques de manter seu quadro de pânico. “E se eu perder o controle? E se eu fizer coisas só para me contrariar? E se eu não conseguir mais fingir uma sanidade que talvez nem exista?”. Isso é bem pior que a morte do objeto, já que viveria preso em alguma clínica psiquiátrica ou preso em um quarto com medo da própria sombra. O objeto precisa se concentrar e seguir a viagem, o objeto pensa em voltar para casa, o objeto acha que vai passar, o objeto não acha que vai passar e quer conversar com alguém, quer desabafar e depois desabar. O objeto quer que não reparem nos seus tiques que não possui, mas que na hora, parecem todos perceber e olhar e pensar “Louco.” O trem parou. Não tem para onde correr. Começa a contar. Se contorcer de ansiedade. Medo dos próprios pensamentos, medo de ser mais um perdido para o mundo psicótico. O trem volta a andar. “Desço na próxima estação e volto pra casa ou aguento mais um pouco que isso passa?”. Chegou. Hesita e a porta abre. Faz que vai, mas não levanta. A porta fecha. Era pra ter ido. Vai ficar tudo bem. A porta abre de novo e ele corre dali. Vai pra rua, cai a chuva de verão do céu e uma explosão de choro dos olhos dele. Pelo menos veio a calma, a paz e o alívio de uma dor inexplicável.

O objeto vai para casa sem saber o que aconteceu, mas com medo de que aconteça de novo.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

bonjour

Casa a ser limpa
Amor a ser feito
Um dois a ser dado
Boa comida na mesa
Frente fria a caminho
Vinho a ser brindado
Cat Power a ser tocada
Boca em forma de risada

Bom dias desejando dias bons

domingo, 2 de janeiro de 2011

Desembucetei

Foi só uma cisma, um embucetamento
Um falso bater de pé travestido em verdade absoluta
Era psicológico, que como tal, reverberava em sensações físicas
Me mimei nesse capricho
Me insisti nessa teimosia
E eu mesmo me desconvenci
O ócio das vontades
A inércia dos prazeres
A opressão do vazio
Pura falta do que fazer, pura falta do que pensar, pura falta do que querer
(e o desejo)
Inventei o fazer, o pensar e o querer
(e o desejo?)
Não era mentira, mas também não era verdade,
Era como dizia, um embucetamento.