domingo, 29 de agosto de 2010

You´re sleeping in a submarine...

Quando chegava a hora de dormir, Bernardo se concentrava em baixo dos cobertores. Se fechava no seu sarcófago e testava se a luz estava tão preta da mesma maneira em que seria se fechasse os olhos. Nunca tinha ocorrido que a escuridão ou os olhos fechados não fossem tão negros quanto uma folha de papel preta, pura, límpida e uniforme, mas interrompida por mínimos pigmentos de branco ou cinza. De quando em vez a imaginação atrapalhava também, e projetava no escuro os personagens próprios dela, as pessoas da sua cabeça, as cores do dia seguinte ou do dia que passou, como a tela de um cinema falido. Mas o que sobrevinha de fato era a sensação de pausa, de como bom seria interromper a vida um instante sob o calor dos edredons, envolvido pelo mantra moderno tropicalista vindo do refrigerador de ar. Afinal, o que apreciava tanto naquela pausa? Um tempo da vida ou uma morte reversível ou as duas coisas? O fato é que sempre que quando essa hora chegava, desejava ele durar mais alguns momentos, dias, anos, séculos. A pesagem pendia mais para a procrastinação da vivencia futura do que digestão da vivência passada. Tudo isso era uma fantasia, não se pode morrer só um pouco e nem adiar o dia seguinte eternamente. E depois o que fazer nesse interim? Viver como um vegetal? Ficar preso no limbo que antecede o dia seguinte feito um zumbi, cada vez mais doente e perdido nos próprios pensamentos? Esse ponto era crucial, porque refletia a desistencia dele em relação à pausa e consequentemente entrega ao mundo de Morpheu. Passado algumas horas, percebidas como cinco minutos, Bernardo então se levantava e ia viver sua vida da melhor ou pior maneira possível. Cabendo ao quesito indecisão, só, e somente ele, mediar o meio termo entre esses dois polos.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

I like the peace, in the backseat

As bolhas de água no vidro traseiro do carro parecem estar vivas quando há velocidade e chuva. Elas correm para mesma direção como espermatozóides em busca do óvulo. Então eu pensava em vozes para elas como em “olha quem está falando”. Se há muita velocidade elas se afilam parecendo um flagelo. Quanto mais volumosas elas ficam, mais rápida vão passando pela superfície, e quanto mais vão passando mais vão acumulando volume com as mini-esferas de água pelo caminho, no final elas são impossíveis de acompanhar de tão rápidas. Comemoro quando uma, com muito esforço e sacrifício, consegue terminar o trajeto, e quando essa se vai bate aquela saudade. Se eu tivesse um amigo do lado no banco de trás então nós escolheríamos cada um uma bolha e torceria para que a nossa chegasse antes ao seu destino.

domingo, 15 de agosto de 2010

Anguish

A angústia não tem dono.
Volúvel, hoje é por isso para amanhã ser por aquilo.
Sem previsão. Sem escapatória. Sem culpabilidade.
Convive-se com ela. Aceita ignorando-a e/ou embebedando-a.
Cobranças, nostalgia, comparações e estimativas
Mesmo na ignorância e especialmente na ignorância.
Lá cogita tudo que foi e não é, ou que poderia ser e não será.
A paz é química, alienação ou negação.
Pessoas tranquilas não existem.
São invenções da publicidade dos fabricantes de cereais e de benzodiazepínicos.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Chelsea girl

Assisto aliviado de camarote à sorte que me foi dispensada.
Me sufocaria de frieza, impotência e tédio proposital
(Apesar de nunca saber quão interessante persona um dia fora)
Não é mais amor, nem obssessão patológica
Mas também não é ódio, apesar do frio na barriga ocasional.
Não convenci, mas me convenci. Eis a minha ventura.
O prazer agora é outro, muito embora não fuja à minha natureza.
Sou um voyeur esperando seu sucesso ou fracasso.
Daqui te olhando, quando nada melhor eu tiver para fazer.

domingo, 1 de agosto de 2010

Depoimento para Denise

Ela não se importa com os fatos
Mas com as impressões e sentimentos
Essa moça é a de essência e de atmosfera
Do turbilhão de acontecimentos
Paralisa o tempo e o espaço
Para eu digerir, suprimir, incluir
Admitir e conferir o que for preciso
Inspira-me, diverte-me e amplia-me
Nosso caso é antigo, de outras vidas que eu não creio.
A ligação já foi feita
E eternalizada a cada novo encontro.