quarta-feira, 21 de abril de 2010

La douce humanité

Está ao meu redor. Confunde-se com a minha áurea. Minha indolência é leitosa. Forte por dentro e fraca por fora. Na cabeça planos e na vida sono

É literário esse estado de paixões, desejos e instintos. Platônico na essência.

Um dia Napoleão, no outro Machado de Assis e amanhã François Truffaut.

Tem coisa boa vindo e sou eu quem nota. A vida é boa, mas o sentido de percepção doente. A vida voa. Uma vida jogada fora não é uma vida jogada fora ao se perceber jogando-a fora.

Perdão aos africanos, aos indigentes, aos doentes, aos celibatários, aos presidiários, às vítimas de Hiroshima, Nagasaki e também Chernobyl. Mas por enquanto não posso gozar deste espetáculo.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Carta ao Sr. R. A. e à Sra. T.B.

Rio de Janeiro, 14 de Abril de 2010


Vocês esperam pelo pior. É visível nos seus olhos o pânico e a piedade compartilhada sem razão. O problema é que eu não posso os confortar. Meus argumentos sempre soam como justificativas cínicas, meras desculpas esfarrapadas e que reiteram ainda mais meu suposto desarranjo. Não os culpo, nem muito menos me ofendo. Pelo contrário, vejo nesse equivocado terror uma prova de amor involuntária e até mesmo irônica. Se fosse possível uma volta ao tempo, dessa vez mais cuidadosa, perceberiam que o pior não está por vir, essa fase, por enquanto, é passado até onde eu saiba. O mal de outrora, com certeza existiu de fato, entretanto despercebido ou vivenciado na negação, como se o debate o alimentasse. Por favor, entendam o meu lado. Estou numa camisa de força, em um carro a caminho de um manicômio. Se me debato, faço jus ao meu diagnóstico e veriam nisso a certeza de terem feito a coisa certa. Mas se por outro lado fico apático, dou provas de conformação de um estado no qual eu não me encontro. Como proceder nesse caso? O procedimento é não proceder. É difícil dizer que larguei essa loucura de mão. Nessa história não há culpados e nem vítimas. Talvez não haja nada. Pensemos no futuro. Use suas orações para que estejam realmente errados. Por mim, por vocês e por todos os outsiders do mundo. Mas nesse momento sou eternamente grato pela preocupação e espero sinceramente ser motivo de orgulho um dia. Amo e amarei vocês para sempre.


"Mother I tried, please believe me

I'm doing the best that I can.
I'm ashamed of the things I've been put through,
I'm ashamed of the person I am.

Isolation, isolation, isolation."

(Ian Curtis)

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Mulheres Noturnas: Lívia

Lá vinha ela descendo a rua. A bolsa pendente em um braço e os sapatos pendurados nas mãos do outro. Passos irregulares, como que desvia de pedras pontiagudas para não machucar seus pés já tão castigados pelos sapatos essa noite, ou mesmo evitar que a meia calça puída e esburacada por cigarros alheios se desfaça de vez antes de chegar em casa.

De chofre ela para e procura um espelho na bolsa. A busca bêbada desse objeto e a quantidade de coisas na bolsa resultam numa procura sem fim. Quando encontra o bendito espelho, acha melhor não conferir seu estado a essa altura da madrugada. Mas por coincidência ela encontra perdido no fundo da bolsa três reais e cinquenta centavos. Coincidência porque o botequim logo ao lado anuncia garrafa de cerveja por exatos três reais e cinqüenta centavos, e não tendo mais nada a perder essa noite, além dos tais três reais e cinqüenta centavos, Lívia viu nisso um chamado esotérico, ou mesmo uma lógica cabalística talvez, e decide entrar e pedir uma garrafa de cerveja.

Adentrando ao molambento recinto, ela pacientemente esperou dois minutos para ser atendida. Diz-se dois minutos, mas na ebriedade essa metragem de tempo tão artificial perde o seu caráter preciso. De modo que ao ser atendida, ela fez uma cara de quem ou esperou muito tempo ou não esperou nada, só podendo ela saber com precisão. Puxou um cigarro do bolso e quando a labareda do isqueiro estava frente a frente com seu nariz, não pode deixar de reparar então no cartaz do outro lado do estabelecimento. Pendurado ali em fonte Times New Roman e com bordas empoeiradas, engorduradas ou só sujas mesmo, algo estava para ela, assim como a runa suástica estava para os judeus. Ou seja, um aviso de proibido fumar.

Arrancou então a garrafa do balcão e juntas se dirigiram para o meio fio. Lá sentou e saboreou o gosto da noite perdida misturada ao sabor especial da última cerveja da noite. Nesse meio tempo, não deixou de reparar numa curiosidade absurda. Os bares ao longo da avenida em perfeita sincronia fecharam suas portas. O descer dos portões de ferro, um após o outro, como num efeito dominó, cada qual emitindo uma nota diferente com tamanha perfeição, que se houvessem bares o bastante, seria possível formar uma bela melodia. Melodia essa que serviria de trilha sonora para o que via ao seu redor. O desfile de prostitutas e travestis. Os adolescentes perdidos. Os jornaleiros já de pé em suas bicicletas. Os taxis passando a mil por hora...

Ao fim do espetáculo, e por assim dizer da cerveja e da última tragada, Lívia se levantou e novamente tentou entrar no bar. Tentou porque não reparou quão cheio o botequim se encontrara. Talvez não estivesse nesse estado momentos antes de se sentar na sarjeta, e possivelmente pelo fim do expediente dos donos dos outros bares, os clientes daqueles para ali se dirigiram. Tentou se enfiar no meio das pessoas para atingir o balcão e pagar o que devia. Empurrava de um lado, empurrava de outro, mas nada parecia mobilizar aquela multidão que se comunicava aos cochichos, que somados tornava-se um estardalhaço. Na sua honestidade insistente, com muito esforço esticou o braço e o máximo que pode foi enfiar sua mãozinha com unhas descascadas entre o labirinto de vãos formados pelos braços e corpos à sua frente. Foi quando jogou três moedas de um real e outra de cinqüenta centavos na direção do que parecia ser o balcão. Colocou o casco e o copo em um cantinho e continuou seu rumo.

Alguns passos mais a frente, já se preparando para atravessar a rua, ela sente uma mão repousar sobre seu ombro. Girou o pescoço já se preparando pra enxotar algum bêbado, ou qualquer desses malucos da madrugada, que ela tanto atraía. Mas não era um desses tipos desta vez. Era o dono do bar. Enquanto uma mão apoiava em um ombro da moça, a outra era estendida, num claro pedido de pagamaneto. Ora, mas qual pagamento? Ela já tinha pago o que tinha consumido. Que abuso era esse a essa hora do dia? Não deu atenção ao homem e viu que já era possível atravessar a rua. Seguiu em frente. Quando chegou do outro lado, o homem do bar lá estava de braços cruzados esperando por ela.

- O que você quer de mim? Eu já paguei o que devia.

- Ah é? Quando?

- Não consegui chegar até o balcão. Mas ainda assim joguei as moedas para dentro do bar.

- Isso é o que você diz, eu não vi moeda nenhuma.

Ficaram nesse bate-boca até que Lívia decidiu sair andando, uma vez que aquele papo não chegaria a lugar algum, e nem ela tinha mais dinheiro para oferecer de bom grado, apenas pra dar um fim àquela situação ridícula. Começou a andar rápido, e os passos atrás dela também, quando foram vistos estavam os dois “correndo”. Correndo entre aspas mesmo, porque ela com seu fôlego de fumante, carregando os sapatos na mão, e bolsa no ombro, e o homem grande e gordo, era mais um padeiro português, com direito a barriga, bigode e caneta atrás da orelha, não praticam o que se chama de corrida. Quem os via poderia até desconfiar que estivessem voltando da praia, ainda praticando jogging, se não fossem as roupas pouco apropriadas. Duas voltas no quarteirão e essa cena terminou com o cansaço mútuo dos competidores.

- Eu desisto disso! Não tenho dinheiro, olha na minha bolsa. Já disse que paguei com minhas últimas moedas – Disse ela ofegante.

- Eu acredito em você. Agora já pra minha cozinha. Você vai lavar a louça, por quanto tempo eu a achar necessário. – Interrompeu-a.

Lívia cansada da noite, da corrida e dessa suposta dívida esdrúxula, acompanhou o homem até o bar. Pedindo licença aqui e ali aos clientes que nem se manifestaram com toda a cena anterior, conseguiram chegar dentro da área de atendimento. O homem indiciou o que era pra ser feito, alertou para alguns truques domésticos, vícios dos objetos que só o dono de uma cozinha é capaz de notar, e a moça obedeceu-o calada com uma resignação indolente. Queria acabar logo com essa história. Queria só ir pra casa e descansar. E até poderia dizer que queria lavar a louça, se isso agilizasse mesmo esse processo. O problema é que o dia estava amanhecendo. As pessoas não iam embora. O homem não achava ainda que era o suficiente. E ela continuava pagando a sua dívida de três reais e cinqüenta centavos.

O relógio ia dar 10 horas da manhã. Lívia irritou-se e perguntou ao homem:

- Quando vou poder ir embora? Quando essa gente vai embora?

- Essa gente não vai embora nunca. Eles moram aqui assim como eu. – Disse o dono do bar com uma calma que delimitava sua superioridade em relação à sua atual subalterna.

- E como consegui entrar nesse bar?

- Você entrou pela porta da cozinha. Eis o mistério. Agora pega suas coisas e vá embora. Pela porta da cozinha. Ficarei com pé esquerdo do seu sapato.

Lívia obedeceu. Foi lavar as mãos na pia, pegou sua bolsa, e o pé direito do seu sapato. Só então percebeu o quão estranho era aquele estranho ficar com um pé do seu sapato.

- Por que você vai ficar com o pé esquerdo do meu sapato?

- Talvez você precise de alguém para lavar sua louça quando você estiver de ressaca logo mais. Você tem aqui um crédito e este pé o meu pagamento.

- Sendo assim, fique com o direito também.

Antes de sair pela porta da cozinha, reparou que suas moedas estavam jogadas ainda no chão, próximo ao freezer enferrujado. Abaixou para pegá-las e foi embora sem olhar para o homem. Finalmente deixou pra trás aquela falação sem fim, aquele hálito de álcool, e as moscas matinais que se proliferam em ambientes onde cervejas velhas foram derramadas. Na esquina próxima estava um pedinte. Para não correr o risco de não conseguir voltar pra casa de novo, ela deu seus três reais e cinqüenta centavos ao mendigo. E seguiu seu caminho sob sol e segurança rumo à sua cama, mas pensando que parte da sua doação poderia comprar um café na padaria embaixo do seu prédio.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

I me mine, I me mine, I me mine

É o sono, a preguiça, a procrastinação
É a falta de viço, a oscilação de auto-estima, a inadequação
É o ceticismo, o pessimismo, a indiferença
É a matemática, o abismo, a doença

É a realidade adicionada a tudo isso que não permite ser quem eu sou.