sábado, 6 de novembro de 2010

Torradas com geléia

Na chuva do quintal de casa, visto da sacada do prédio, entre pontos de ônibus entupidos de desejos realizáveis em minutos, daqui avisto as cabeças. As cabeças não param. Sobem, sobem sobem... Estão mais altas do que eu, embora demonstrem interesse no asfalto. É que o sonho saiu de moda. A viagem perdeu o seu valor. A materialização do desarranjo e/ou desespero virou perigo e o menor sinal de desapego pós reflexão à vida no momento é, ora repulsivo, ora cafona. Cada formiga dessa tem uma história. Pelo cocoruto, onde posso observar sem ser observado mesmo na certeza de nenhum olhar se encontrar aos meus aqui de cima, posso afirmar pelo cheiro que elas exalam, e que me chegam ao sexto andar, o aroma do conflito silencioso e envergonhado que elas tratam de disfarçar com qualquer perfume que encontrem à disposição. Daqui de cima posso andar nu, posso falar e fazer baixarias, posso me jogar encima deles, que O medo de ser um sonhador que ronda o térreo, me acobertará para logo mais ir à padaria comprar torradas e geléia como se nada tivesse acontecido e então tomar meu café da tarde na paz de Jah.

"Se você vier me perguntar por onde andei
No tempo em que você sonhava
De olhos abertos lhe direi
Amigo, eu me desesperava

Sei que assim falando pensas
Que esse desespero é moda em 73
Mas ando mesmo descontente
Desesperadamente eu grito em português"

(Belchior)

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